Na minha opinião
as palavras que melhor definem a cidade antiga de Marrakech serão azafama e
indecifrável. No momento em que o avião aterrou, já se via uma nuvem
vermelha de poeira no horizonte de final de tarde. O céu era de um azul claro
mas ao mesmo tempo escuro, indefinido. Depois de passar o controle de passaporte – que foi
bastante rápido e despreocupado, seguiu-se uma curta aventura, que embora tenha
sido em poucos dias, me recordo de cada minuto detalhadamente - talvez por ter
sido tão único e o meu primeiro contacto com a África do norte, que sem dúvida
foi inesquecível.
Desde a barganha
constante com o taxista para nos levar ao centro, à que se seguiu nos
dias seguintes para tudo e mais alguma coisa menos para comer em restaurantes,
foi uma variante constante durante toda a viagem até voltarmos novamente para aeroporto. Nestes dias apesar de a comunicação em inglês ser razoavelmente
fácil, o uso de francês esteve também sempre presente – sobretudo nos momentos
de sobressalto.
Ficamos alojados no centro do Souk, no Riad Karmela, com cortinas de algodão que
esvoaçavam com o pouco vento que havia, com adornos árabes em todas as salas e
quartos, a típica arquitetura, as flores e cheiros que nos maravilhavam... Fomos recebidos com chá de menta, que sempre me
perguntei o porquê ou a sensação que traria, beber um chá num dia abafado de
Julho com 40 ºC - e eu não estou habituada a beber mate argentino ou brasileiro mas suponho que a sensação seja similar.
Quando finalmente
chegamos ao centro da cidade, vindos do aeroporto, vimo-nos inseridos num mar
de gente célere, bracejadora e curiosa. Senti muitos cheiros diferentes, muitos
sons diferentes: os motores dos automóveis e lambretas, as buzinas, cada um num
sentido diferente, pessoas misturadas no meio das estradas com todo este
trânsito, flautas, vendedores... e de repente, quando nos deixamos de
distrair por este cenário único, vimos que um senhor que parecia ter 70 anos, já levava as
nossas malas pelo meio da multidão, num carrinho de mão improvisado de diversos objetos. Em 3 segundos demos uma nota inteira ao taxista e fomos a correr
atrás deste senhor que levava as nossas malas, de uma forma bastante
organizada e confiante, pelo meio de uma multidão tudo menos organizada ou
privada.
O francês dele era um pouco incompreensível para mim, mas não me posso
queixar, entendi tudo o que tínhamos de entender. Então em 15 minutos vimos
Marrakech como se fossem os últimos 15 minutos das nossas vidas e em que todas
as imagens importantes nos enchem a cabeça. Foi assim. Muitas cores: vermelho,
amarelo; muitas vozes, muita gente, muitas especiarias no ar, gasolina, ouro,
bijus, tapetes, olarias exóticas, pulseiras, tintas, animais: macacos, camelos,
cobras, tudo e todos em perfeita harmonia no meio de vendedores, cicerones,
turistas, nós e o senhor de 70 anos que nos levava as malas no seu carrinho de
mão. Tinha achado que poderíamos estar a fazer este caminho desde o táxi até ao
Riad sozinhos – mas depois vi que era totalmente impossível: para mim o
Souk foi, até hoje, a mais perfeita definição real de labirinto.
Finalmente chegamos. “Chegamos ao Riad” diz o nosso silencioso transportador. Pagamos o acordado – que não me recordo de quanto foi, pois era tão pouco e eu ainda estava demasiado distraída e atónita. Sentia-me de verdade, num lugar que não conhecia e que não poderia comparar com outra cidade onde já haveria estado. Senti-me insegura também quando vi que havia uma rua longa e estreita onde se encontrava no meio a porta do nosso Riad - o que seria uma assustadora ruela em Lisboa, Paris, Madrid ou Londres... Passado mais umas horas entendi que todo o Souk era assim e isso afastou os meus receios. Entramos e de repente, assim instantaneamente, no momento em que fechamos as portas, só havia o silêncio e a água a correr de um lago interior que o Riad possuía no seu pátio comum. Fomos atendidos com toda a serventia e simpatia, mais do que em muitos outros mais organizados sítios carecemos de ser. E foi aqui que veio o nosso chá de menta a ferver, e relaxamos imediatamente. Nunca tinha sentido tantas emoções e sensações em tão pouco tempo, uns 30 minutos – e basicamente toda a visita a Marrakech foi assim.
Acho que o meu conselho mais importante vem aqui: ficando num souk, de qualquer
outra cidade, acho que é importante que o hotel seja pelo menos muito bom.
Teria voltado esgotada desta viagem se o nosso Riad não fosse este harém de
tranquilidade. Os finais de tarde e os pequenos almoços eram o nosso recarregar
de baterias de toda aquela pressa que estava fora das muito altas paredes
vermelhas.
Ficamos pouco
tempo, então não tivemos tempo de visitar o deserto nem as famosas praias
de Agadir – tenciono voltar a Marrocos, assim que acho que deixarei essa viagem
para outra altura. Para quem o deseja fazer, uma semana ou no mínimo 5 dias é
o necessário para aproveitar exaustivamente cada ponto de passagem: Marrakech,
o deserto e as praias.
Nos dias e noites que se seguiram, exploramos a cidade, visitamos a medina, restaurantes, casas
nobres que estavam abertas ao público, tivemos a nossa dose de barganha e compras e descansamos no Riad. Penso que Marraquexe é um grande mercado onde de
verdade se pode encontrar tudo – desde sapatos da Zara falsificados,
relógios, todo o tipo de comida, roupas e tapetes demasiado bonitos "para só olhar". Não estávamos a viajar com
grande bagagem assim que me foi bastante doloroso pensar que não podia levar um
desses tapetes comigo.
O que mais me
marcou nesta viagem foi sem dúvida o choque que sentíamos diariamente desta
confusão e desorganização nas ruas em contraste com a calma e rigor dentro dos
restaurantes, cafés e hotéis O valor e o apreço que atribuímos ao silêncio, a
uma refeição tranquila e ao descanso aqui parecia ser maior e mais merecido. Depois toda a
cidade é bastante enigmática. Desde os gatos em cada esquina aos seus olhares
curiosos, tal e qual como os olhares dos seus habitantes, às estreitas ruas vazias de tom
terra-cota aos sons e as músicas em cada esquina.
Finalizamos a
nossa viagem com um jantar num dos muitos disponíveis típicos restaurantes de
Marrakech. Mais tarde verifiquei e não encontrei um feedback online tão
positivo como achava que iria encontrar – de qualquer das formas para nós foi
excelente. Fomos jantar ao Le fondouk ao lado da Medina, integrado no meio do Souk.
Fomos para o terraço no alto de uns 5 ou 4 andares que o restaurante parecia
ter. Fomos recebidos muito atenciosamente, com um staff fluente em inglês e
ritualmente lavamos as mãos nuns clássicos potes que nos trouxeram à mesa. O
menu vinha enrolado como se fosse um papiro, e escolhemos dois pratos típicos de cordeiro, que tirando o que a minha querida avó prepara, este deve ter sido
um dos melhores que comi até hoje! O ambiente era envolvente, carregado de
pequenas rosas vermelhas em todos os lugares, jantamos à luz de velas, e pouca
luz eléctrica havia neste pátio comum – fiquei com a impressão que havia velas
por todo o lado e só mais as estrelas no céu para nos iluminar. Ouvia-se
a chamada para a oração no ar... todo este ambiente e mistério, fez-me
sentir estática no tempo, penso que foi um daqueles momentos eternos que
vivemos nas nossas vidas e nunca nos esquecemos. Havia pessoas de várias
idades, e por momentos fiquei com receio, achei que este jantar fosse dar uma soma demasiado alta para o nosso bolso de jovens viajantes – no final correu tudo
bem, bastante em conta, resultando nuns 40 euros no total para dois, para um jantar de
3 pratos.
E assim partimos
de Marrakech.. no momento em que fomos, fiquei na dúvida se queria voltar ou não para aquela confusão.
Mas o tempo respondeu-me que sim, e estou com saudades de Marrakech. Senti secretamente quando lá estive que iria voltar, só não sei quando, com tempo para fazer outras
coisas e visitar outros lugares que não só a cidade antiga. Adorei e sem dúvida que vale muito a pena visitar.